Origens – o fim do mundo é a minha casa

A recomendação era aprovar boneca e chapas na gráfica, antes da impressão da revista começar. Cautela máxima, para nada dar errado. A má notícia: “Paula, isso só vai entrar em gráfica umas onze da noite ou no meio da madrugada. E a gráfica é no fim do mundo, em Inhaúma”. Eu, que me divirto com uns constrangimentos baratos: “Tranqüilo, conheço aquilo lá. Você sabe que eu fui criada em Inhaúma, não?” E ele: “Ah… Mas certamente foi num lugar mais bonitinho que aquele…”.

Pois bem. Lembranças nostálgicas por terra, o bairro que tinha um rio que agora é vala, que tinha uma linda montanha verde que virou pedreira e que virou favela… é agora, de fato, um bairro abandonado pelo Poder Público. Assusta pela violência dos ônibus queimados ao início da tarde e do fuzil para o lado de fora das viaturas de polícia que pulam desastradas sobre os quebra-molas. Assusta pelos carros de faróis apagados e pelos “caveirões”, assusta pelo que suas mulheres não têm da graciosidade da Helô de Vinícius ou das Helenas de Maneco. Assusta pelas banhas que saem das roupas, pelos palavrões, pelo barulho frenético das kombes que roubaram o espaço dos ônibus públicos. Assusta pela poeira que sobe de ruas não pavimentadas e desérticas, pelo calor que parece ter escolhido aquele lugar para morar. Assusta pelas fofocas cruzadas dos moradores de décadas e pelo ar do cortiço de um certo autor naturalista. Assusta quem não sabe que aquilo ali é boa parte do que existe de Rio de Janeiro.

A minha Inhaúma está diferente. Ninguém lembrou de mexer nela, de cuidar dela, de construir nela. O que sobrou é vestígio de decadência. Mas passarinhos de todas as cores e tipos, desavisados, ainda vão visitar as árvores do quintal do meu pai. A fábrica da Plus Vita ainda espalha pela Estrada Velha o cheirinho de pão em horas pontuais. As mães seguem arrastando seus filhos que nem sacos de batata e a coisa vai andando num ritmo que parece independente de todo o resto. E é neste fim de mundo que eu me sinto mais em casa do que em qualquer outro lugar.

4 Comments so far

  1. Nuno Virgílio (unregistered) on July 25th, 2006 @ 4:50 pm

    Nossa, viajei no tempo, Paula. Fui criado entre Irajá e Vista Alegre e voltei até lá com o teu post. Sensacional…


  2. Leo Lichote (unregistered) on July 25th, 2006 @ 5:19 pm

    O foda de Inhaúma – e do Rio, no fim das contas – é que a moeda sempre cai perversamente com os dois lados pra cima. Ou seja, a beleza e a podridão se apresentam com a mesma cara. A Kombi, por exemplo, é uma solução simpática, macunaímica e malasartiana para o problema do transporte público deficiente. Mas também é máfia, é irresponsabilidade, é risco pro passageiro. Rio, enfim.


  3. eu mesma (unregistered) on July 25th, 2006 @ 5:34 pm

    there’s no place like home.
    essa frase é clichê, mas é muito real.
    gostie do texto, paula!
    (:


  4. letícia (unregistered) on July 25th, 2006 @ 6:16 pm

    letícia acima, ficou “eu mesma” de um outro comentário q fiz em meu próprio post. sorry.



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