Silvia 20 horas Domingo
Chove-se e frita-se agora no subúrbio. O sol salienta, um cheiro forte de areia chuviscada agrava o abafamento que sinto com o calor, e a água que estala a telha que nem pedra desce pelo cano da calha pra inundar os peixes na vala do quintal. Pintou um arco-íris de fora a fora, troço que eu nunca vi mais rente sair do calcanhar do morro e morrer nas costas das casas desse lado da rua. Parece pintura daquelas que minha avó comprava na feira, que quando não era de natureza morta de fruta em cima da mesa, era barquinho ou paisagem com arco-íris. Sempre desgostei, ousadia eram quadros espelhados com risco de cisne e lago e purpurina vendidos pelos nordestinos de porta em porta. Preço barato, mas o esquema de pagamento era sempre carnê, carnê, carnê, mania de previdência desses nordestinos. Minha avó, desconfiada, jogava o olho de lado com medo de tomar uma volta. Mas foi assim a vida inteira para compor a decoração da casa, desde os quadros até cortinas bordadas a mão, panelas e brinquedos artesanais.
Hoje é domingo, muito primo e muita tia da cozinha pra sala, uma gente que chega de mais longe pro almoço querendo saber quem vai casar, quem comeu a mulher de quem, quem presta concurso pro governo, quem subiu na vida, quem engravidou, quem adoeceu, quem tá preso. Aparecem com desculpa de visita e se deixar ficam até segunda-feira. Trazem bolos embrulhados num bololô de saco com pano de prato, uns remédios milagrosos socados dentro de garrafa de cerveja e lembrancinhas como caixinhas de música, estojo de maquiagem e badulaques de plástico colorido podendo eu ter a idade que tiver. Uma criatividade aliada à falta de noção de quem nunca conseguiu agradar. Só bola fora. E conta causo aqui, mostra foto ali, “Esse aqui é o filho de não sei quem”, “Mas como tá grande!”. Depois do almoço o comboio se esparrama pela copa pra “esticá os ósso” e preenchem a tarde de frases como “Mas como o tempo passa, né?”, “Estamos ficando velhos”, “Essas crianças tomaram chá de bambu? Uns mininão forte, esticado”. No final do dia, todo mundo se levanta pra tomar o café da tarde e seguir o caminho da roça. Claro que alguém sempre “Desculpa por essa visita de médico, a gente volta com mais calma no domingo que vem”. Domingo que vem de novo não, sai, suplício, filhos da peste, se percam no caminho.
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