“As meninas” sou eu
Precisava de uma calça branca. Ou clara. Para uma peça que vou estrear semana que vem, depois faço a propaganda, uh. Fui ao shopping do meu bairro. Uh². Estive em uma loja, que agora esqueci o nome, onde observei a crueldade. Loja de roupas femininas, bem ampla. As vendedoras se encaixavam dentro do padrão de beleza brasileira: TODAS com cabelo pintado, luzes ou ruivas ou preto-petróleo (lisos, ÓBVIO), corpo malhado, maquiagem agressiva. Dentro da loja há um sobrado, que é o estoque, onde mulheres negras (todas eram) e com cabelo enrolado ou extremamente alisado, trabalham. As vendedoras atendem com sorrisos cansativos, falam os próprios nomes e “se precisar de alguma coisa…” Precisava de uma calça, vi uma e pedi para Bianca no meu tamanho. Bianca vai para debaixo do tal “sobrado” e grita: “Meninaaaaas, meninaaaas, calça tal tal tal, tamanho tal tal tal.”. Percebo então que todas as outras vendedoras gritam o tal: “Meninas, meniiiinas”. Nenhuma sabe o nome das tais meninas do estoque. No entanto, na hora de jogar a mercadoria, as meninas diziam: “Bianca, toma a calça”. Olhei para cima, e as “meninas” não tinham muitos sorrisos. Um espaço apertado, um trabalho ingrato e um salário bem menor. Achei tudo tão esquisito que saí da loja e claro, carreguei uma sensação de culpa e de crueldade burguesa. E quando engulo esses sapos de terceiros, eles se materializam. Sempre. Entrei na Sandpiper e vi uma calça. Pedi ao vendedor quase bonito o meu tamanho. Não tinha, ele insistiu que eu experimentasse outro tamanho, pois a modelagem era grande. Experimentei contrariada, e constatei obviamente que a calça ficava pescando siri. Estava de vestido, pois só vou comprar calça de vestido, para agilizar a vida. Entreguei a calça ao vendedor, constatando que de fato, ela não era capaz de cobrir minhas longas pernas. Dei tchau e fui saindo pela loja, senti que minha calcinha estava “encravada” no rego, e quando fui ajeitá-la: TERROR. Não coloquei meu vestido direito, de modo que metade da minha bunda estava para fora, para todos os vendedores descolaaaaados da Sandpiper avaliarem e rirem. Fiquei tão nervosa que ainda demorei longos 10 segundos para tirar o vestido preso da calcinha, para voltar a cumprir sua função: cobrir meu corpo. Tive espamos de vergonha, fiquei vermelha durante uns 10 minutos e em casa, à noite, lavando a louça, quase quebrei copos pois toda hora a imagem me voltava à cabeça. Preciso parar com isso. Uh³.