Os cretinos vêm de Marte*
Mas agora eu também resolvi dar uma queixadinha porque eu sou um rapaz latino-americano que também sabe se lamentar. Raul Seixas
Eu já disse isso aqui uma vez e repito: o Rio é uma mulher linda nas mãos do King-Kong. E realmente é preciso ser psicanalista ou crítico de cinema para compreender as contraditórias relações de amor e ódio entre a cidade e seus habitantes. O fato, meus amigos, é que a natureza maravilhosa da cidade também traz com ela, assim como a Naomi Watts, os seus probleminhas. O Rio é uma Naomi incompreendida, neurótica e mal-amada.
Mas para além disso é também uma cidade de geografia muito complexa, construída sobre, ao redor e por entre montanhas, lagoas, rios e pântanos.
Agora, junte-se a isso o fato de nela viver uma gente muito alegre e hospitaleira mas, infelizmente, desafeita ao zelo pelas coisas públicas, no sentido mais amplo desse conceito. Bem, dá no que dá. Afinal, somos nós que fazemos, direta e indiretamente, essa cidade. Inclusive votando nos nossos vereadores perdulários, deputados mensaleiros, prefeitos lunáticos e governadores carolas. Os marginais de toda classe, não são todos farinha do mesmo saco do qual viemos? Os irresponsáveis dos aeroportos e os fraudadores do leite não vieram do povo e representam a nossa cultura? Não é este mesmo povo que reelege Garotinho, Maluf, Color e ACM? Este número infindável de escândalos. Este sem-fim de espertallhões… Não são todos partidários da mesma conveniente inobservância da lei simbolizada naquele cidadão que desrespeita as regras de trânsito e suborna o guarda? Que dirige embriagado? Que não recolhe nota fiscal e sonega impostos? Que faz gatos na Net? Nada sabemos da estreita relação entre o consumidor de drogas e todas as nefastas consequências do seu tráfico?
O que eu vejo é o seguinte. De um lado a expectativa pelo salvador da pátria… de outro lado a queixa impotente a respeito dos outros. Esses outros… seres forjados no nada, que impedem a felicidade geral da nação. Não vemos que os omissos e os irresponsáveis são a mais perfeita tradução do ser carioca — e brasileiro por extensão — no que ele tem de pior? A não ser, é claro, que se creia que os cretinos tenham vindo de outro planeta. Ou quem sabe esse país não tem povo. Como disse o João Ubaldo, tem apenas platéia. Uma platéia de indignados inocentes, que nunca viram, nunca souberam e por isso não têm nada a ver com o que ocorre à sua volta. Uma população de 180 milhões de Lulas.
Ou seja, não é estranho que todos saibam exatamente qual é o problema da cidade e do país mas, mesmo assim, fique tudo exatamente do jeito que está?…
* Eu sou do signo de Áries, que é regido por Marte, portanto sou cretino e a culpa disso tudo é minha culpa também.
hmm… discordo um pouco.
é claro que certos comportamentos indevidos são compartilhados por grande parte da população, mas está longe de ser a totalidade.
acho que o problema principal não está exatamente no fato de que todos pratiquem as ações delituosas, mas de que mesmo aqueles que não as praticam, não conseguem vê-las como algo realmente prejudicial. no máximo achamos vagamente reprováveis tais práticas.
Em outras palavras: quem faz a merda acha que a culpa é do outro, mas quem não faz assume também essa “ética”, e fica na dúvida se não é ele quem deveria mudar.
A ideologia reinante é a da sacanagem. Porque já deixou de ser só malandragem há muito tempo.
Que bom que discorda, mas você confirma exatamente o que eu disse.
Ou bem se rouba um milhão, ou bem se comete “convenientes delitos”, ou bem se culpa “o governo” e “os outros” ou bem somos platéia passiva e “eu não participo disso” e ninguém se importa mesmo com o fato de estarmos vivendo num território sem lei. Aliás, lei existe e cada vez se fazem mais delas. O que não se faz é cumprí-las.
Entre o dólar na cueca e a droga na calcinha as diferenças são meramente genitais. A estratégia é a mesma.