Às oito horas, em ponto, a Rádio Saara toca o Hino Nacional. Qual o endereço das Casas Pedro? Atrasado. A cabeça ainda carrega os copos largados pela metade. Cada cantinho macio ou não parece uma cama. O sapato apressado: Tec-toc. Cadê o crachá?
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Faz isso para salvar o mundo.
Vinte e quatro anos. Mês que vem. Tão cedo. Nessa idade as pessoas ainda deviam sonhar. Boa parte das que amava está morta. Os outros vão morrer mais cedo ou mais tarde. Mais cedo. Ele também. O fígado já reclama aposentadoria. Mais trinta anos? Profissão errada. Úlcera certa.
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Faz isso para expulsar os demônios.
Vinte e quatro anos. Ele já sabe que não será presidente da república, artista famoso, jogador de futebol. A coluna já dói. O fôlego diminui. Talvez tenha sido. O quê? Só talvez mesmo. Mas continua. Até que.
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Faz isso por que não pode parar.
Vinte e quatro anos. Vinte e quatro horas para o fim-de-semana. Fds. Foda-se a folha de ponto. O Estado deveria garantir uma vida sexual decente a todos os cidadãos. Praça Tiradentes? É privada. O trabalho é público. Mas no sebo da praça há línguas estranhas.
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Faz isso para vender chapéus.
Vinte e quatro anos. Trezentos e sessenta graus: o cara do chapéu em cima do viaduto. A catedral. O sol se pondo. O retorno. A cabeça querendo cair do pescoço. Queria perguntar por que ele sempre faz aquilo.
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Faz isso para pedir perdão.
Vinte e quatro anos. Tanto desejo. E ele só precisava de um chapéu. Ali se vende de tudo. Talvez ainda encontre o que perdeu. Talvez ainda haja esperança entre as canetas chinesas. Um chapéu. Atrasado?
Todos os dias ele toma nas mãos seu velho chapéu de palha e gira continuamente sob o sol. Só revelará a verdade no dia do último eclipse.
Às oito horas, em ponto, a Rádio Saara toca o Hino Nacional.